Apesar das declarações, o medo do restabelecimento de antigas leis ainda assombra a sociedade afegã
Após reivindicar o poder no Afeganistão depois de vinte anos, o grupo fundamentalista Talibã declarou nesta terça-feira (17) que não interferirá nos direitos conquistados pelas mulheres desde a derrubada de seu regime, em 2001. Nenhuma mulher será proibida de trabalhar ou estudar, desde que o faça “dentro da lei islâmica”.
“Nossas mulheres são muçulmanas e ficarão felizes em seguir as regras da sharia” declarou Zabihullah Mujahid, porta-voz do grupo, em sua primeira entrevista coletiva após o retorno do Talibã ao poder.
Já Enamullah Samangani, membro da comissão cultural do grupo, disse que as mulheres são “as principais vítimas de mais de 40 anos de conflito no Afeganistão” e afirmou que o novo governo gostaria de mudar isso. “Estamos dispostos a proporcionar às mulheres um ambiente de trabalho e estudo, e a presença de mulheres nas diferentes estruturas [do governo], segundo a lei islâmica e de acordo com os nossos valores culturais”, disse o porta-voz.
Ainda não se sabe como isso se desdobrará na prática, já que o desenvolvimento e aplicação do papel da mulher na sociedade está sempre condicionado à lei islâmica, que é subjetiva de acordo com cada ideologia. A declaração também não deixa claro o que significa a aplicação dessas leis, considerando que o Afeganistão já é um país islâmico, e deixa subintendido que a população afegã já conhece as regras a serem seguidas.
Apesar das diversas declarações, o medo de que o regime sob o qual as afegãs viveram durante o governo do Talibã de 1996 a 2001 seja restabelecido levou um grupo de mulheres às ruas em protesto nesta terça-feira (17). Com cartazes, elas se manifestaram em frente a um comboio do grupo fundamentalista na capital, Cabul. “Queremos nossos direitos: segurança, educação e participação política”, declararam.
A jornalista afegã Shakeela Embrahimkhil, antiga integrante do ToloNews – único canal de notícias com cobertura 24h no Afeganistão -, publicou um vídeo da manifestação no Twitter para demonstrar seu apoio às protestantes e as imagens estão viralizando.
O grupo também prometeu anistia geral em todo o Afeganistão. “Não queremos inimigos dentro ou fora do país” afirmou Mujahid, e garantiu que não haverá retaliação contra soldados afegãos ou membros do Governo. “Ninguém vai te machucar, ninguém vai bater em suas portas”. Entretanto, os pedidos de reconciliação parecem ter falhado em acalmar a maior parte da população afegã, que ainda teme represálias da milícia, especialmente mulheres e jovens.
Segundo jornalistas e ativistas de direitos humanos, os milicianos têm acesso a uma lista onde constam nomes de pessoas que cooperaram com o Governo ou com organizações internacionais, e elas estão sendo procuradas.
No entanto, Suhail Saheen, porta-voz do Gabinete Político do Talibã no Qatar disse neste sábado, num tweet, que “o EIA está de portas abertas a todos aqueles que anteriormente trabalharam e ajudaram os invasores ou agora estão nas fileiras da corrupta Administração de Cabul e já anunciou uma anistia. Nós convidamos novamente a todos eles a servirem à nação e ao país”.
De acordo com a ToloNews, a cúpula do Talibã ainda está se reunindo em Doha, capital do Qatar, para discutir a estrutura e nome do novo governo.
As cenas aterrorizantes protagonizadas por milhares de afegãos que invadiram uma pista de decolagem, no aeroporto de Cabul, numa tentativa de escapar do regime do Talibã e suas potenciais represálias, dão sinal de intensa rejeição ao novo governo, apesar de seus esforços para acalmar a população e impedir que mais afegãos fujam do país.
Soldados estadunidenses e suas forças afegãs aliadas conseguiram controlar o caos no aeroporto e retomar os voos de evacuação de estrangeiros, do pessoal das embaixadas e dos afegãos aliados que os ajudaram durante a ocupação dos EUA.
Muito boa a matéria!