Pesquisa realizada em grupos de homens em app mostra memes com feminicídio e objetificação da mulher

A psicóloga Valeska Zanello pesquisou por anos sobre masculinidades e contou com a ajuda de seis homens para espionar os grupos formados por homens no aplicativo

Por Natasha Silveira

Em um período de, aproximadamente, seis meses, a professora de psicologia da Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora e autora do livro "Saúde mental, gênero e dispositivos", Valeska Zanello, realizou uma pesquisa com a ajuda de alguns homens voluntários para espionar os grupos de WhatsApp formados por homens, em maioria, héteros. O intuito da sua pesquisa foi descobrir como os homens, em idades entre 25 e 60 anos, se comportam entre si em grupos fechados e isolados de mulheres, ou seja, como estes agem e pensam quando estão distantes dos olhares femininos. Nesses grupos eram compartilhados vídeos, fotos e piadas de teor pornográfico e muitas vezes de objetificação sexual da mulher.

"Estudar a masculinidade a partir dos grupos no WhatsApp é importante porque eles fazem parte do cotidiano dos homens. É uma forma de tecnologia de gênero e um sintoma da nossa cultura" afirma Valeska. De acordo com a doutora em psicologia, foi preciso muito estômago para conseguir ler os 634 prints que recebeu dos homens infiltrados, entre dicas de como mentir para a esposa e até piadas com o feminicídio.

Apesar de ter sido um trabalho voluntariado, a pesquisadora afirmou que alguns dos homens "espiões" apresentaram uma certa preocupação em compartilhar os nomes e imagens de quem enviou os conteúdos, como uma forma de "proteger" aquele indivíduo, também conhecido como silêncio cúmplice e a "broderagem", de acordo com Valeska, esse tipo de proteção é muito comum em grupos masculinos, mesmo que alguns homens recebam as fotos e os vídeos em questão e não concordem com o que está sendo transmitido ainda não fazem nada a respeito.

A maior frequência de conteúdo entre as mensagens trocadas era a objetificação da mulher, com a gordofobia explícita em que as mulheres gordas eram vistas apenas como a "falta de opção". A segunda maior frequência de mensagens era com as mulheres negras, essas eram ligadas às classes pobres, vistas como vulgar e motivo de piada entre eles. Sempre com um elevado número de fotos das mulheres nuas, o tempo todo. “No Dia da Consciência Negra, circulou em todos esses grupos a mensagem 'apoiamos a Consciência Negra' com imagens de partes íntimas de mulheres negras anexadas. Elas também são ligadas à ideia de pobreza, que serve como escárnio".

Em época de carnaval, foi repassada pelos grupos uma lista de pontuação com um acervo de mulheres para pontuarem caso tenham se relacionado com elas durante o feriado e os pontos diminuíam se os homens ficassem com ex-namoradas, deficientes, mulheres acima do peso ou mais velhas, e aumentavam se fossem mulheres bonitas e consideradas dentro do padrão. “Quanto mais longe do padrão estético branco, magro e jovem, pior vai ficando a posição das mulheres nessa prateleira. Já os homens servem como os grandes avaliadores morais dessas posições", relata a pesquisadora.

O Brasil ocupa o 5º lugar entre os países mais violentos em mortes de mulheres no mundo, entretanto, nesses grupos o feminicídio não deixa de ser motivo de piada entre os homens participantes. Uma das piadas recebidas por Valeska, foi a foto do ex-goleiro Bruno, condenado em 2010 pelo assassinato de Eliza Samúdio, junto a sua namorada e ao lado a imagem de alguns cães segurando potes de comida, seguida da legenda "Bruno está de namorada nova". A pesquisadora afirma que ficou chocada ao receber esse tipo de mensagem e achou muito grave como fizeram a situação se tornar piada.

Em outro conteúdo, foi recebido imagens que associam a mulher como comida, principalmente relacionadas à carne, algumas imagens mostram uma mulher nua junto a um copo de cerveja e um pedaço de carne com a legenda "Frase do dia: caros amigos, há momentos da vida em que a gente não sabe por onde começar". Em outra imagem, duas mulheres posam para a foto junto a homem famoso e gay, com a legenda "Vegano dentro da churrascaria".

Em algumas mensagens, é explícita a ideia de que mulheres se interessam pelos homens em razão do dinheiro e são feitas piadas até com fotos sensuais de adolescentes seguidas de frases como "Tio, seu pagamento já saiu?", além de outras onde mostram alguma parte nua do corpo de uma mulher com a legenda "Aceito todos os cartões".

A professora de psicologia defende que é importante falar dessa objetificação sexual para que repensem as masculinidades, esse tipo de objetificação influencia não só nas relações dos homens com as mulheres como também em outras áreas da vida, como o fato de os homens aceitarem menos o uso da máscara durante esse período de pandemia da Covid-19. "Precisamos repensar as masculinidades, que estão adoecidas, o que podemos notar pelos altos índices de violências praticadas pelos homens. Essa deve ser uma prioridade no país e considero que o lugar mais importante de intervenção é a escola. É necessário um trabalho de prevenção", conclui.