Quem é a entidade que chamamos de mercado e como ela influencia o cenário político
Em 1994, o Brasil dava início ao Plano Real, o que ninguém nunca disse é que parte do plano era agradar o mercado. Mas ninguém nunca diz isso e ninguém nunca diz quem ele é.
O Plano Real foi importante para o mercado. Porém, há muitos outros momentos em que esses dois setores deixam de flertar de forma inocente e se casam. Um desses momentos foi o período conhecido como política do café com leite. Representantes de São Paulo e Minas Gerais alternando no poder. Representantes dos principais ativos econômicos se alternando no poder.
Contudo, a relação entre mercado e política têm bodas ainda mais antigas, a própria colonização do país se deu levando em consideração o que a terra produzia. Os primeiros governadores (no início conhecidos como interventores) eram aqueles que detinham o capital.
A história do Brasil revela vários outros momentos de aproximação entre a política e o mercado. Não há quem possa esconder essa relação. Mas o rosto do noivo ainda está escondido. O mercado está tenso. O mercado está otimista. O mercado não está satisfeito. O mercado está oscilando.
Afinal, quem é esse mercado e como ele tem tantos sentimentos? E por que esses sentimentos são importantes?
De acordo com Pedro Matosinhos, Mestre em Economia formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o termo mercado, utilizado nos jornais para se referir à economia, é uma alusão ao conjunto de decisões, crenças e expectativas das empresas dos setores de maior peso na economia, especialmente do setor bancário e do setor produtivo. “Essas decisões e expectativas são baseadas em suas análises (feitas por equipes de pessoas físicas, com concepções, vícios técnicos e limitações próprias) sobre fatos, expectativas e contextos econômicos e políticos, e com base seus objetivos empresariais maximização dos lucros”.
Para a economista e mestre em economia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Grazielle Silva, o mercado também pode ser compreendido como o local onde os agentes econômicos se encontram para interagir entre si. “Mercado é onde ocorrem as transações econômicas de bens e serviços entre os agentes econômicos”.
Essas interações geram decisões, o conjunto dessas decisões cria uma maré, que dita os atos de outras empresas menores e pessoas físicas, que tomam decisões econômicas com base nas decisões e expectativas desse conjunto mais poderoso. “Há um potencial recorrente de retroalimentação e de geração de profecias auto-realizáveis nesse processo,” explica Pedro Matosinhos.
Uma relação de expectativas
Para Matosinhos, a política nacional tem como um de seus objetivos estimular expectativas positivas do mercado, e faz isso por meio de políticas públicas que favorecem as empresas ou que estimulam o crescimento econômico, na interpretação do mercado.
“Essas são formas de demonstrar apoio ao grande empresariado nacional e gerar boas expectativas econômicas, pois as expectativas 'do mercado' alimentam o mais importante mecanismo de crescimento econômico, que consiste em: Empresas (mercado) possuem boas expectativas e confiança econômica para fazer investimentos, esses investimentos geram empregos que junto com a produção que veio dos investimentos geram crescimento econômico”, afirma o especialista.
Os noivos da Esquerda e os Noivos da Direita
Os maiores articuladores da política nacional são o presidente e o Ministério da Economia. Eles são os noivos do mercado. Independente de quais sejam suas ideologias, uma coisa é certa: eles querem que o mercado se apaixone.
“É um imperativo de cargos políticos em uma economia de mercado (ou seja, capitalista) como a nossa, que respeitem e ouçam as preocupações do “mercado”, pois é ele quem determina os humores da economia”. Explica Matosinhos.
Ainda segundo o especialista, a diferença entre esses agentes políticos é que lideranças da esquerda democrática tendem a contrabalançar as expectativas de mercado com objetivos sociais, dando grande valor a esses objetivos, antes de tomar suas decisões políticas.
Já as lideranças da direita democrática tendem a ser liberais, ou seja, acreditam que é o mercado que tem legitimidade para ditar os caminhos da economia, com apenas um mínimo de intervenções do governo e menos peso às questões sociais nas decisões econômicas.
“As lideranças de extrema-direita, como o Presidente brasileiro atual, tendem a se submeter a todas às vontades do “mercado” sem nenhuma atenção às questões sociais e descartando o contraditório e o debate em suas decisões, sendo este o diferencial quanto a lideranças democráticas de direita. Por fim, lideranças de extrema-esquerda descartam totalmente o “mercado” e o sistema econômico vigente (capitalismo), atualmente ninguém com esta visão tem relevância eleitoral no Brasil”, enfatiza o Mestre em Economia Pedro Matosinhos.
Segundo a economista Graziele Silva, a relação do mercado com as ideologias de esquerda e direita tem muitas complexidades. Mas dentro da perspectiva econômica, a principal diferença é o tamanho do Estado no mercado.
“A direita olha mais pela perspectiva da liberdade Econômica sendo que a esquerda percebe mais o Estado regulamentando as transações econômicas dentro desse Mercado, além da questão de maior tributação com o Estado administrando os retornos advindo desses impostos, já a direita defende uma menor tributação e o setor privado oferecendo maior parte dos serviços e os indivíduos escolhendo onde querem acessar tais serviços, sendo o Estado responsável por algumas questões como segurança pública, por exemplo", esclarece a economista.
A rebelião do cônjuges
Em algumas ocasiões acontece de o mercado se cansar de flertar de longe. Nesses casos, eles decidem subir ao grande palco da política nacional como protagonistas. A seguir, pequenos perfis de grandes figuras do mercado que ascenderam à política.
Da administração de uma empresa direto para a cidade administrativa
O atual governador de Minas Gerais administrava uma empresa com 430 lojas, cinco mil colaboradores diretos e 1500 indiretos. Além do varejo, a empresa também atua no setor de combustíveis. Com o patrimônio avaliado em 69.752.863,96, Romeu Zema não exerceu nenhum outro cargo público e passou da chefia de uma grande varejista ao governo do estado com o terceiro maior PIB do Brasil. Foi eleito no segundo turno com 71,8% dos votos, derrotando o Senador e ex-governador do estado Antônio Anastasia.
Filiado ao partido Novo, o governador de Minas se afastou da administração direta do grupo Zema passando a integrar o conselho da empresa. O grupo tem lojas em São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Bahia e Espírito Santo, principalmente no interior.
Empresário do agronegócio
Mesmo carregando o mesmo sobrenome, o deputado estadual Eduardo Salles (PP) não tem parentesco com o atual ministro do meio ambiente Ricardo Salles. Mas eles compartilham o amor pelo agronegócio, que Eduardo Salles faz questão de divulgar em seus 20 anos de atuação no setor agropecuário. A informação pode ser facilmente encontrada no site oficial do deputado.
O parlamentar atuou por seis anos como superintendente da área agroindustrial do Grupo OAS do Brasil. Na Secretaria Estadual de Agricultura, foi chefe de gabinete e depois assumiu por quatro anos a chefia do órgão. Também foi presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Agricultura (CONSEAGRI).
Sua carreira política teve início em 2014, quando conseguiu seu primeiro mandato como deputado estadual. Atualmente na segunda legislatura, ele é presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural e titular da Comissão Especial da Ferrovia de Integração Oeste Leste.
O concierge do vôlei
O atual prefeito de Betim traz uma peculiaridade em seu DNA italiano: ser um empresário conhecido nominalmente. No Brasil, geralmente o nome dos grandes agentes do mercado não tem espaço nos holofotes. De 1991 até 2016, Vittorio Medioli foi deputado federal. Nesse período, foi muito ativo em temas relacionados à economia, membro das comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e segundo vice-presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio.
Embora circulassem pelas estradas de Minas Gerais caminhões exibindo em tamanho garrafal a marca do Grupo Sada, empresa de Medioli, a notoriedade veio somente quando ele se aliou ao vôlei do Cruzeiro Esporte Clube. O empresário era figura constante nas premiações da equipe. Sua ascensão à prefeitura municipal começou no apoio financeiro a candidatura de Carlaile Pedrosa, depois, em 2017, foi eleito prefeito de Betim, onde continua. Atualmente, é filiado ao PSD.
Entre posses imobiliárias, capital das empresas, aplicação em ações e em renda fixa, o empresário acumula uma renda estimada em 352.572.936,23 de reais. O número chama atenção e fez com que o prefeito de um município da região metropolitana de Belo Horizonte ganhasse destaque na imprensa nacional.
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