Peça criada pela escritora Karla Tenório traz uma visão impopular da maternidade e gera debate e identificação
“Detesto ser mãe desde o momento em que a cabeça da minha filha saiu, durante o parto”. Essa é uma declaração de Karla Tenório, em entrevista ao UOL, quando questionada sobre a maternidade. Criadora da peça online ‘Mãe Arrependida’, a artista conta que seu arrependimento materno se deve a sua cobrança excessiva em ser uma mãe perfeita.
Após o nascimento de Flor Inaê, sua filha, Karla relatou que teve psicose pós-parto, um transtorno mental grave que pode levar a mulher a não reconhecer o próprio filho ou até não enxergá-lo como um bebê. Durante esse quadro, ela conta que se tornou obsessiva ao ponto de ter um caderno com anotações dos minutos das amamentações de cada seio.
Além disso, o desabafo da escritora reflete a realidade de muitas mães ao contar que, por não ter auxílio de uma ajudante, já recusou propostas de emprego para cuidar da filha. “Eu nunca tive babá, deixei de fazer muitas coisas, de aceitar trabalhos para ser uma mãe exímia, por conta da culpa. Eu sou assim, essa mãe perfeita, uma perfeita mãe de merd*”, disse.
Em meio à culpa e ao remorso da maternidade real, Karla admitiu se sentir sozinha nesse mundo de frustração. Segundo ela, o processo foi intensificado devido ao relacionamento abusivo e a posterior separação com o pai de Flor Inaê. Por isso, a artista entrou para uma coletiva de mulheres a fim de expor seus sentimentos, e ali, se sentiu acolhida, embora fosse a única mãe do grupo.
A partir disso, criou o espetáculo ‘Mãe Arrependida’ com o objetivo de ‘combater a construção social, baseada na ética cristã, de que a mulher tem um amor incondicional pelo filho’. Karla critica também a ideia popular de que, uma vez que a mulher é mãe, sua imagem é reduzida a cuidado e responsabilidade, anulando totalmente sua feminilidade e sexualidade.
O movimento criado pela artista viralizou nas redes sociais justamente no dia das mães (9) e gerou um intenso debate. Internautas interpretaram que seu descontentamento e frustração pela maternidade significavam falta de amor pela filha.
No entanto, ela assegura que não é bem assim. “A minha filha, a Flor Inaê, é uma pessoa incrível, um case de sucesso, porque é uma menina obediente, gente fina, que tem valores, e eu a amo”, pontuou.
A romantização da maternidade resulta na confusão e estranhamento quando mulheres que são mães admitem não gostar ou até mesmo detestar o papel que é ser responsável por alguém para sempre. Além das cobranças individuais, existem as cobranças externas de uma sociedade ainda machista na qual acredita fielmente que filho é só da mãe.
A sobrecarga em cima das mães devido a enorme responsabilidade, a perda de muitos direitos e experiências, complicações pós-parto, críticas e abandono dos maridos são exemplos do porquê a maternidade pode ser insatisfatória e sua não romantização deve ser normalizada.
No Instagram da peça, @maearrependida, milhares de relatos de identificação e gratidão pelo acolhimento bombardeiam os comentários das postagens da página.
O projeto, além de compartilhar suas dores, tem o intuito de alertar e mostrar a realidade da maternidade para aquelas que ainda não tiveram filhos e pensam em ser mães.
“Eu quero ouvir os depoimentos de outras mães, porque esse movimento é de amor, para que a minha filha, quando crescer, possa fazer uma escolha real e consciente sobre a maternidade", finalizou.
Para assistir à peça online, clique aqui.
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