Dia da mulher negra latino-americana e caribenha é celebrado com eventos online
- Femme News
- 25 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
Data é comemorada com debates, festival, dança e show dos 90 anos de Elza Soares
Por Clara Maria Lino

No dia 25 de julho é comemorado o dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. A data se une ao dia de Tereza de Benguela. "Rainha Tereza", como era chamada, liderou o Quilombo de Quariterê, na região do Vale do Guaporé, na cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso, região centro-oeste do Brasil. O Quilombo foi fundado na década de 1730.
Em meio aos domínios do Rei João I de Portugal no século XVIII, quem comandava o quilombo após a morte do companheiro José Piolho era Tereza, a partir de 1750. O homem foi morto pelos soldados. Durante duas décadas a comunidade composta por mais de 100 pessoas entre índios e negros incomodava o governo escravista em vigência. De acordo com o site Aventuras na História, o grupo alcançou parceiros comerciais, ganhou um parlamento e possuía eficiente força de defesa. Tereza foi morta também por soldados em 1770 após ser presa.
Monica Santos é poetisa, escreve para o site Blogueiras Negras, é pedagoga, autora do Livro: "Indagações, olhares de uma mulher negra" e trabalha como diretora adjunta do Colégio filantrópico Armazém de Ideias e Ações Comunitárias (AIACOM). Ela conta sobre a experiência com a história de Tereza de Benguela.
"Falar de Tereza de Benguela para mim, é uma honra, pois me sinto representada por ela. Infelizmente ainda vivemos em uma sociedade que oculta muitos heróis e heroínas, em especial os negros. A história dessa mulher foi invisibilizada por muito tempo, não me recordo ter ouvido falar dela em toda minha vida escolar. O que foi uma pena, pois teria sido ótimo para minha autoestima de menina negra, saber que uma mulher negra resistiu aos processos cruéis de escravização por pelo menos 20 anos," diz a pedagoga.
Esta data (25) é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e da Diáspora. Segundo a ONU, em 1992 grupos de mulheres negras de 32 países da América Latina e Caribe se reuniram em Santo Domingo, na República Dominicana, na América Central para debater e denunciar opressões vividas e lutar contra o sexismo e o racismo direcionado a este grupo.
Vinte e oito anos depois da reunião e três séculos após a luta de Tereza de Benguela, racismo e sexismo ainda são vividos por mulheres negras latino-americanas e caribenhas. Por isso, a importância de não parar de falar neste assunto. É importante relembrar a luta não só de Tereza mas também de Carolina de Jesus, Aqualtune, Luíza Mahin e enfrentar as consequências de séculos de desigualdade social. Monica Santos ainda completa abordando a temática do lugar de fala.
Como mulher negra me sinto reconhecida e valorizada neste dia, mas pontuo que nem sempre foi assim. Desde cedo a criança negra aprende de forma muito cruel que o tom da sua pele incomoda a sociedade, e aquilo que era para ser natural se torna um peso. Nos tornamos alvos, no mais amplo sentido da palavra. Desde muito cedo fui silenciada pelo medo e pela opressão, inclusive nos espaços escolares pelos quais passei. A história do povo negro era sempre trazida de forma superficial e estereotipada. Foram anos para compreender a minha real identidade, descobrir as minhas heranças ancestrais e o nosso valor", disse a diretora adjunta do Colégio AIACOM.
Monica relata também a importância de negros ocuparem cargos de liderança na sociedade.
"Hoje ocupo um cargo de liderança numa instituição escolar, o que não é fácil, mas me dá a oportunidade de fazer a diferença como educadora e também ser espelho para meninos e meninas negras, mostrando que NÓS PODEMOS ocupar lugares melhores dos quais a sociedade nos impõem. Sou também poetisa e foi a forma que encontrei de libertar a minha indignação sobre as violações de direitos sofridos pelos negros bem como dar protagonismo a histórias como as de Tereza de Benguela, Dandara, Carolina de Jesus, Léa Garcia, Marielle Franco e muitos outros nomes que não nos apresentaram", finaliza a autora de Indagações: olhares de uma mulher negra.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística realizado em 2019 aponta que no ano passado, mulheres negras recebiam 56% menos de média salarial do que homens brancos. Enquanto os homens recebiam uma média de R$3.138, mulheres negras recebiam R$ 1.394. Ainda nesta pesquisa foi revelado que mães negras e solo estão nos grupos de maior vulnerabilidade. Quase 14% não possuem abastecimento de água e mais de 40% não tem tratamento de esgoto.
A superlotação dos lares também foi assunto do estudo. Em pelo menos 11% das casas havia muitas pessoas morando e isso facilita ainda mais na transmissão do novo Coronavírus que já matou mais de 85 mil brasileiros.
Para o governo federal, em abril de 2020 a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência registrou aumento de quase 36% nos chamados em casos de violência contra a mulher em relação a 2019. Se você está passando por esse problema ou conhece alguém que esteja ligue 180.
Um relatório também divulgado pela ONU em 2018 aponta que em alguns países da América do Sul e a Costa Rica a representatividade de mulheres negras no legislativo não chegou a 1%. Os países que superaram esta porcentagem foram Peru que tinha (2,3%), Equador (3,6%) e Brasil 1,3%. A deputada federal Talíria Petrone eleita pelo Rio de Janeiro no ano em que foi feita esta pesquisa disse através das redes sociais que não dá mais para fazer política sem mulheres negras no poder.
"As mulheres negras levantam antes do trabalhador para prepará-lo para o trabalho; são a maioria das usuárias do sistema público de saúde sendo encarregadas pelo cuidado com as crianças e idosos; são maioria nos trabalhos essenciais que não paralisaram nem com a pandemia; e estão na linha de frente da luta por direitos humanos, nas favelas, na luta por moradia, na luta pelo desencarceramento e contra o genocídio negro. Hoje é dia de saudar a nossa história de luta e exigir nosso direito de decidir sobre os rumos da política concretamente. Não dá mais para fazer política sem nós", disse a deputada eleita pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Confira alguns eventos da programação para comemorar a data:
Elza in Jazz: aniversariante do último dia 22, Elza Soarez faz live show para comemorar os 90 anos de vida. A transmissão acontece hoje (25) no canal do Youtube da cantora a partir das 21h. Entre as músicas do repertório estão "Mulher do Fim do Mundo", "Carinhoso", "A Carne", "Dor de Cotovelo" e "Libertação".
Debate "Genocídio, feminicídio, encarceramento e outras formas de nos matar": com a participação de Chirley Pankará, Paula Nunes e Neon Cunha o evento começa às 20h e encerra às 21h30 com apresentação musical do grupo Samba Negras em Marcha e Luana Hansen.
Festival Latinidades: a 13ª edição do evento começou no último dia 22 e vai até o dia 27 de julho. De acordo com a assessoria do evento, todas as atividades são gratuitas e abertas ao público. Não é necessário fazer inscrição. A transmissão ocorre pelo canal Afrolatinas do Youtube e a programação completa pode ser acessada neste link.
Live de dança com o coletivo Turmalinas Negras: O projeto se apresenta amanhã (26) a partir das 14h e tem exibição através do Instagram e Facebook do Centro de Referência da Dança.
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