top of page

Costureiros imigrantes em SP estão recebendo até R$ 0,05 por cada máscara produzida

  • Foto do escritor: Femme News
    Femme News
  • 21 de jul. de 2020
  • 5 min de leitura

Em matéria realizada pela Folha de S. Paulo, costureiros relatam as dificuldades que enfrentam na precarização e na exploração dos serviços prestados


Por Natasha Silveira


Foto: Moisés Moraes


Recentemente, a jornalista Flávia Mantovani, da Folha de S. Paulo, realizou uma matéria sobre a confecção dos materiais de proteção contra o novo coronavírus. Os menos favorecidos neste trabalho são os imigrantes, em especial os bolivianos, que por necessidade aceitam propostas de emprego que beiram a exploração. De início, foi oferecido R$ 0,20 por cada peça que produziriam, após algumas semanas baixaram o valor para R$ 0,10 e agora o pagamento por peça é de R$ 0,05.


Apesar de ser um valor muito abaixo do que deveria e do que foi oferecido inicialmente, algumas costureiras se veem obrigadas a aceitar o emprego para que possam sobreviver, como é o caso da boliviana Diana*, 33 anos, vive em São Paulo há 7 anos, e precisou aceitar a proposta já que suas encomendas haviam parado de chegar desde março e já devia três meses de aluguel, a única conta que poderia ser resolvida para ela foi a de "Se não trabalhamos, não comemos".


Diana produz as máscaras de proteção e também os aventais utilizados pelos profissionais de saúde. Com o preço desses materiais aumentando nas lojas, o processo de costura deles foi para o caminho contrário, os distribuidores que realizam os pedidos de encomendas dos equipamentos se aproveitaram da crise econômica e da abundante mão de obra e reduziram cada vez mais os valores pagos por peça, "Dissemos que era baixo demais, mas ele respondeu que outros bolivianos se ofereceram para costurar uma quantidade maior a preço menor. E que só tinha isso, porque tem muita concorrência", relatou a costureira Diana.


Os costureiros se viram obrigados a trabalhar nas próprias casas, algumas vezes dentro de um quarto, já que muitas oficinas fecharam durante o período de quarentena. Se antes o trabalho deles era mal remunerado, agora a situação se tornou ainda mais precária, de acordo com quatro costureiras e outras fontes entrevistadas pela Folha, o valor pago atualmente é de R$ 0,10 por cada máscara e de R$ 0,40 por cada avental, porém ainda existem alguns distribuidores que ofereçam um valor menor. "No começo, a demanda cresceu e as empresas não sabiam bem o que fazer, ofereciam R$1, o que hoje é considerado um luxo.


Depois o preço foi baixando", afirmou Patricia Rivarola, de 48 anos e

voluntária com a comunidade paraguaia pela organização Missão Paz, "E agora, para ganhar R$300, a pessoa tem que trabalhar 24 horas por dia". Algumas organizações que promovem o trabalho digno do setor têxtil calcularam que o

pagamento justo que deveria ser feito a esses trabalhadores seria de 5 a 30 vezes mais alto do que pagam, que seria R$ 0,50 a R$ 3 por máscara. E além de receberem pouco, os prazos de entrega dos materiais são muito curtos, muitas vezes os costureiros trabalham de manhã até a noite, às vezes durante a madrugada, para conseguirem cumprir o prazo combinado, tudo isso sem haver nenhuma garantia de que receberão o pagamento. Uma família boliviana informou que confeccionaram cerca de 12 mil máscaras e um outro grupo de paraguaios confeccionaram 10 mil máscara e 10 mil aventais no mês de março, mas até hoje não receberam nenhum pagamento pelo serviço.


Lidia Garcia, de 43 anos, boliviana que vive no Brasil há 8 anos e trabalhos 2 anos em oficinas de outras pessoas, muitas das vezes sem receber nenhum pagamento. Atualmente, trabalha em casa com o marido, os filhos e a nora. "Eles te pressionam, ficam te ligando e dizendo: Você tem que me entregar, comigo não tem brincadeira. Tem dia que trabalhamos das 6h30 até às 4h do dia seguinte, com um descanso de 20 minutos", ela relata.


Ainda que recebam uma alta demanda nas encomendas, os costureiros não sabem para onde vão os materiais produzidos, já que estes não possuem alguma etiqueta ou logomarca. Alguns dos trabalhadores tentam ouvir relatos dos intermediários, entrevistados mencionaram os hospitais em Mogi das Cruzes e Praia Grande, também lojas na região central de São Paulo e um frigorífico da zona leste que distribui as máscaras para os funcionários. Uma das entrevistadas relatou que o distribuidor que pagou R$ 0,25 por seu trabalho, ganharia em torno de R$ 1,50 por cada peça. Uma outra costureira afirmou que o intermediário ganharia cerca de R$ 3 por cada avental, mas só repassaria R$ 0,60 para ela.


Foto: Marlene Bargamo (Folhapress)

Em uma oficina de Guarulhos, um grupos de funcionários paraguaios informaram que produziram 10 mil máscara e 10 mil aventais que seriam enviados para a subprefeitura de Itaquera, em São Paulo, porém não receberam o valor da dona do local. "O provedor falou que não recebeu e por isso não pagou. A patroa vendeu tudo para outro lugar, mas disse que por causa do coronavírus não tem dinheiro para nos pagar", contou uma das

funcionárias que hoje atua como cozinheira. "Não compensa fazer máscaras."


A Folha entrou em contato com a subprefeitura de Itaquera e recebeu a resposta de que não haviam contratado a confecção de máscara e aventais, "A subprefeitura lamenta o fato, por estar agindo de má-fé, usando seu nome para justificar possíveis ilicitudes".


Para Katiuscia Galhera, cientista social e pesquisadora, as características presentes nesse ramo fazem com que as oficinas sejam elos frágeis da cadeia e que favorecem o cenário de exploração, aproximadamente 60% do mercado é informal. "A indústria da moda é caracterizada por roupas muito baratas, e automatizar a produção não vale a pena do ponto de vista do negócio. O contingente de mão de obra disponível é grande porque você precisa de pouca coisa (uma máquina de costura, energia elétrica, linha), e a tendência é

pressionar os pequenos fornecedores para que trabalhem cada vez mais. E os preços são definidos pelo consumidor, pela dura lei da oferta e da procura."


Katiuscia informa que muitos imigrantes possuem receio de denunciar as situações precárias de trabalho e que a fiscalização se torna impossível devido a uma rede tão capilarizada. Segundo Magno Riga, auditor fiscal do trabalho e do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, é difícil estabelecer um vínculo empregatício entre o intermediário e o costureiro autônomo, Riga faz uma comparação da situação com os produtores de farinha no Nordeste, onde vendem o produto para uma pessoa e esta distribui para empresas maiores. "Eles têm liberdade de vender para distribuidores diferentes e o preço segue o

mercado. O que eles não têm é poder de barganha. Dependem daquilo para sua

subsistência, vendem pelo preço que for pago."


Em países como Bangladesh, onde existe muita exploração de mão de obra barata na indústria têxtil, estão vivenciando o mesmo problema e em maior escala devido a pandemia. De acordo com Riga, uma organização em cooperativa poderia exercer alguma ajuda frente ao caso, bem como a conscientização do consumidor que "poderia exigir ao menos a

identificação do produto, como o CNPJ de quem fabricou na embalagem".


Algumas organizações se mobilizaram para buscar formas de condições dignas de trabalho para os produtos das máscaras, como o Cemir (Centro de Mulher Imigrante e Refugiada), que recebeu alguns relatos de exploração em produção dos materiais de proteção durante uma pesquisa realizada com mulheres.

"Perguntamos por que elas aceitam isso e a resposta é unânime: precisamos sobreviver", informou Soledad Requena, assessora de gênero da entidade. Em junho, o Cemir montou uma rede de empreendedoras africanas e bolivianas para que produzam máscaras e aventais por um preço justo, o valor mínimo, definido por elas, é de R$ 0,80.


Apesar de atenderem muitos imigrantes sul-americanos, também fazem a intermediação com empresas dispostas a pagar um preço digno e mais de 800 oficinas de costura estão cadastradas. O valor cobrado pelas máscaras foi calculado com base no tempo e nos custos da produção, o tipo de material utilizado e outras variáveis do serviço.


Existem ainda outras organizações que recebem encomendas de máscaras feitas por imigrantes exercendo um trabalho digno, como: a Aliança Empreendedora, Cami (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante) e Deslocamento Criativo.


● alguns nomes das costureiras foram trocados a pedido delas

Comentarios


Receba em seu email nossa newsletter e um conteúdo exclusivo semanalmente, assine!

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Proudly created with Femme News

bottom of page