A luta de transexuais por espaço no esporte brasileiro
- Femme News
- 1 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de fev. de 2022
Atletas transgêneros batalham para conseguir atuar profissionalmente perante todas as dificuldades impostas. Marcelo, jogador trans, nos contou como está sendo seu processo de mudança
Por Julia Mota e Lua Silva

Transexuais enfrentam diversas barreiras diariamente na sociedade, encontrando dificuldades até mesmo no mercado de trabalho, obviamente, o cenário não é diferente dentro do esporte. Atletas transgêneros são vistos por muitos com um olhar ignorante e preconceituoso. Há quem seja contra a atuação de transexuais na modalidade correspondente ao sexo que se identifica, tendo como principal argumento os aspectos biológicos, o que não é suficiente para debater um assunto tão complexo.
Com isso, em 2019 foi criado o projeto de lei 346 pelo deputado Estadual Altair de Morais (PRB), nele é previsto que atletas transgêneros só possam atuar em equipes de seu sexo biológico. Para ele, homens e mulheres biológicos possuem habilidades e força física distintas, o que geraria uma “injustiça”. O PL ainda será votado pela Assembleia Legislativa de São Paulo.
O argumento contradiz a posição do Comitê Olímpico Internacional (COI), que desde 2016 exige apenas o tratamento por hormonioterapia por no mínimo um ano para a participação de transexuais em competições. O processo é realizado com hormônios de testosterona para homens trans e estrogênio para mulheres trans. Não é mais exigido a cirurgia de redesignação sexual, ou seja, mudança de sexo.
No Brasil, há apenas uma representante transexual no esporte profissional, Tifanny Abreu, jogadora do Bauru, time da primeira liga de vôlei. Tifanny iniciou sua trajetória no vôlei como Rodrigo, realizando a transição aos 27 anos, ela arriscou a carreira profissional na Europa para ser quem sempre se identificou, uma mulher.

No futebol, Meninos Bons de Bola é o primeiro time de jogadores transgêneros no Brasil. Fundada em 2016, a equipe representa a inclusão social e vai muito além de apenas futebol. Nela, atletas contam com apoio psicológico e podem compartilhar suas histórias com colegas de time. É no esporte que eles encontram forças para superarem todo o preconceito.
Dessa forma, o Femme News quis ouvir atletas que vivem essa realidade, por isso, fizemos uma entrevista com o Marcelo Nascimento Leandro, atleta profissional de futebol.

Marcelo desde criança é apaixonado por futebol, quando ainda era Marcela jogava com os garotos do bairro onde morava e já enfrentava preconceito por isso, como apelidos de Joãozinho. Com 14 anos recebeu sua primeira proposta profissional e começou a construir uma carreira vitoriosa, em cinco anos na seleção de futsal feminino conquistou três títulos mundiais e o segundo lugar em uma eleição para melhor do planeta.
Em 2018 foi chamado pelo Corinthians para jogar no time feminino, sendo titular absoluto chegou a ser campeão brasileiro naquele ano. No entanto, Marcelo começou a enfrentar dores psicológicas por esconder seu verdadeiro eu por tantos anos. Até que em agosto de 2019 decidiu tomar a decisão que mudaria sua vida, mas que também era difícil, decidiu passar pela transição para finalmente se tornar Marcelo.

Marcelo espera poder voltar a jogar profissionalmente e se prepara para isso, mas dessa vez em um time masculino.
Como tem sido o processo de transição? Qual o maior desafio?
Marcelo: Tem sido tranquilo, faço sempre acompanhamento médico, com exames para manter a saúde em dia e poder curtir todas as mudanças físicas pouco a pouco. Isso me deixa empolgado. O desafio maior é segurar um pouco da ansiedade de querer acelerar o processo para poder jogar, saber que tem que ser cada coisa no seu tempo.
O que mudou na sua preparação de atleta após o processo de transição?
Marcelo: Na verdade hoje em dia treino separado, pela questão da pandemia e também para ficar mais no objetivo específico de ganhar massa, força, potência e velocidade. Ainda conto com uma equipe de personal e nutricionista além dos médicos, para prescrever meus treinos e dieta de acordo com minhas metas. Antes da pandemia também estava jogando futebol de 2 a 3 vezes na semana.
Em algum momento, o medo de nunca mais voltar a jogar profissionalmente interferiu na sua decisão de começar a transição?
Marcelo: Não o medo de não voltar a jogar, mas sim a questão da carreira que tinha construído no futsal e futebol feminino. Isso me fez adiar a hormonização que pretendia iniciar em 2015 e devido ao futebol iniciei somente em 2020.
Para você, qual a maior dificuldade que um atleta transgênero enfrenta no mundo esportivo hoje?
Marcelo: A falta de posicionamento das entidades responsáveis por cada modalidade.
Na live realizada pelo museu do futebol, você disse que pretende voltar a jogar no ano que vem. Já existe algum clube em vista para o seu retorno?
Marcelo: Fui chamado para jogar o campeonato amador da cidade onde moro, mas em questão profissional ainda não.
Se pudesse mandar um recado para os órgãos esportivos responsáveis e para os simpatizantes do esporte, o que seria?
Marcelo: Acho que esporte é para todos, temos que encontrar meios de torná-lo mais inclusivo, pois a prática esportiva traz benefícios para a saúde.
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