Você sabe o que é "complexo de vira-lata?"
- Femme News
- 22 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
Termo criado oficialmente em 1950 remete a comportamento histórico

Apesar dessa designação de complexo (ou síndrome) de vira-lata ter surgido na metade do século XX, a história apresenta que este sentimento de baixa autoestima por parte dos brasileiros é algo muito mais antigo, além de repleto de causas e reflexos na atualidade, tanto na parte cultural quanto econômica.
O escritor Nelson Rodrigues citou essa expressão devido a derrota da seleção brasileira para os uruguaios, em casa, na Copa do Mundo de 1950. Desde esse ano houve uma forma de definir um sentimento comum em nosso país, o de falta de identidade. Esse revés marcante e conhecido até hoje como Maracanazo é um dos pontos-chave de demonstração, mas não o único. O mal que assola os brasileiros atinge outras áreas além do esporte.
Existe, de fato, uma vergonha de ser brasileiro. Frequentemente lemos e ouvimos expressões do tipo "este país não tem jeito", "nada aqui funciona", "tudo no Brasil é feito para dar errado". A falta de informação torna-se um agravante, pois além desses pensamentos, negligenciar conhecimento e, subsequentemente, evolução intelectual faz com que o comodismo perpetue esse ideal de que nada se resolve nesta nação.
Dentre as centenas de estudos realizados a partir dessa premissa, o livro "Idéia do Brasil - A Arquitetura Imperfeita" da editora Senac, publicado em 2001, visa elucidar uma série de razões contínuas para justificar esse complexo de fato, tão cheio de detalhes a serem ligados minuciosamente. Pelas mãos do jornalista e escritor Gilberto de Mello Kujawski, pontos importantes são levantados. Aos exemplos:
Toda a miscigenação faz com que sejamos rejeitados na América-Hispânica. No continente ao qual pertencemos, somos os únicos de descendência portuguesa e com misturas não só indígenas e europeias, mas também de berço africano. Não é possível traçar uma genealogia, só fragmentos dela. O fruto da existência do Brasil se dá por pai ibérico e mãe indígena, além da usurpação e aprisionamento de tantos negros como escravos, acontecimento que gerou uma segmentação de fugir da alçada.
Além dessa tríade cultural, há outra questão. Para muitos, a República Federativa do Brasil não corresponde equivalente a outras nações latinoamericanas. Denominamos latinos os povos provenientes em sua maioria dos espanhóis, nossos hermanos de pele branca e até mesmo outros de cultura histórica indígena e mais distantes (os mexicanos, por exemplo). Durante o período escolar, mais precisamente o ensino médio, Maias, Incas e Astecas são estudados como civilizações renomadas, enquanto os povos nativos deste "Brazil" mal se sabe até os dias de hoje.
Mas não para por aí. Na música, quase tudo é considerado melhor que a de proveniência nacional. Até mesmo o funk estrangeiro, que possui letras consideradas de baixo calão, são enaltecidas, mas o intento brasileiro é marginalizado e considerado sujo. A ideia de que apenas o europeu ou o norte-americano entende de cinema, arte, música e tantos outros temas vem dos próprios brazilians. O sentimento de autojulgamento e diminuição faz isso de forma semelhante a um narcisismo reverso.
Retomando ao futebol fica talvez mais simples de se entender. Quais são os maiores ídolos do futebol atual? Europeus. Salve a exceção de Lionel Messi, que é um argentino europeizado, do que chamam de não "raiz". Cristiano Ronaldo é português e tem grandes trajetórias no Manchester United e Real Madrid, além de agora estar à frente de mais realizações na Juventus, outra equipe de ponta na Europa. Estes são apenas os principais, mas sabemos de muitos outros. Porém, para muitos, Neymar até hoje não é digno da idolatria em seu próprio país. Em contrapartida, na França ele está em bons lençóis devido ao seu talento e até mesmo por ter se afastado de tantas polêmicas.
Na parte tida como culta dos clássicos brasileiros, Monteiro Lobato tem o nome marcado na literatura nacional, não há quem negue. Nasceu e faleceu no Estado de São Paulo, além de ser considerado um escritor nacionalista. Entretanto, proferiu frases polêmicas e, até certo ponto, interessantes para demonstrar o pensamento de uma parcela elitista do século XIX e XX. De cunho pessimista, certa vez declarou: “o brasileiro era um tipo imprestável que não conseguiria crescer sem o apoio de uma raça pura”.
Em resumo, é por causa destes e tantos outros pormenores que o complexo de vira-lata se faz presente. No país do futebol, não se cria ídolos nacionais. Na própria literatura, racismo e ofensas às raízes literárias de povos, crenças e ideologias. A europeização é real e a internet apresenta um mar de opções. Até mesmo a música a cada dia se esvai. Palavras estrangeiras como deadline, target, delivery e tantas outras substituem a linguagem própria. O português falado no Brasil pode ser comparado a distância entre a nação de origem, de tantas diferenças que possui. Ainda temos belas palavras, termos, frutos e costumes (o banho, por exemplo) de herança dos fundadores reais deste solo. A capoeira, feijoada, traços e cabelos com misturas acentuadas fazem parte do berço de matriz africana.
Quando estrangeiros falam coisas negativas do Brasil, alguns dos ofendidos tentam defender o patrimônio. Já outros se juntam pois alegam "saber mais ainda" dos defeitos, o que se assemelha a uma batalha para ver quem consegue citar mais pontos ruins. Em contrapartida, em algumas mídias sociais existem gringos que se apaixonam pela diversidade que existe. Cada região possui suas particularidades, mas como um todo, o brasileiro é conhecido por ser receptivo e alegre, mesmo com as dificuldades.
A política é um dos pontos fracos para uma parcela considerável, pois os últimos anos foram de ondas de mudanças de ideal, em que na maioria, os mais pobres e de baixo poder aquisitivo se encontram na linha de frente. Com todos os prós e contras que cercam essa vasta extensão territorial, o jeitinho brasileiro mantém vários destes de pé. Agora nos resta uma revisão de valores para que o que existe de bom tenha destaque, assim como buscar melhorar o que enfraquece o funcionamento do país. Ademais, o complexo de vira-lata não é uma exclusividade de alguns grupos, mas um pensamento herdado por não se saber ao certo o que é ser brasileiro, por toda exploração vertiginosa e golpes de cunho não democráticos que influenciaram na concepção de organização pública.
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